Imagem e memória dos Ava-Guarani Paranaenses

Vou comentar sobre a história deste livro. Neste livro é contada a história da vivência do povo Guarani no oeste do Paraná.

Mas a nossa história não começou com o que está nesse livro. Porque antes do branco invadir o oeste do Paraná, o Guarani fazia sua casinha aqui, fazia casinha ali, fazia a rocinha para plantar, caçar, pescar, tudo era nossa vivência, não tinha preocu- pações, não tinha vários compromissos com o branco. Aquele tempo era tudo mato, tinha remédio e água boa, frutas e tudo que a gente precisava. O Guarani não tinha preocupação com nada. Sobre a educação, a gente tinha mais tempo de aconselhar as crianças e manter a criança como a gente queria, porque na época não tinha escola nem jogo de futebol. Depois, com a vinda dos brancos, mudou tudo.

Então, este livro vem falar dessa mudança, de como nossa terra foi roubada; vem falar da continuidade da luta pela terra e, principalmente, de como a história do nosso povo pode ajudar a recuperar parte de nossa terra, que era nossa natureza.

Há poucos dias eu estava na sala de aula aqui no nosso colégio falando sobre a história do Ocoy/Jacutinga e a mudança para esse Tekoa aqui no Ocoy. Aí as crianças fizeram a pergunta: “Por que vocês vieram de lá?” Expliquei que viemos pra cá por causa de represa de Itaipu. A Itaipu ia fechar o rio Paraná para funcionar as turbinas para gerar energia, a água ia aumentar e a aldeia Ocoy/Jacutinga ia ficar debaixo d’água. Então a Itaipu e a Funai transferiram nossos parentes para cá, para não acon- tecer afogamento.

Quando o nosso povo ficou sabendo da construção da hidrelétrica, ficou assus- tado, não entendia muito bem o que iria acontecer. A Itaipu disse que iria fechar o rio Paraná, que a água iria subir e que tínhamos que sair, ir embora dali. Depois de muita conversa, pressão, viagens e documentos, a Itaipu concordou em dar este lugarzinho. Mas esse lugar era muito pequeno. Mas como a água ia subir fomos obrigados vir pra cá por causa de Itaipu. Então a vinda pra esse lugar foi sem querer, fomos obrigados a vir pra cá, nós queria ficar na nossa terra. Não fomos nós que escolhemos esse lugar, naquele momento não tinha opção.

Esse livro terá grande serventia para nosso povo e nossa comunidade. Ele serve para quem está estudando na escola. A escola deve ter muitas cópias, todos os alunos devem ter uma cópia. Ele serve também para a liderança, porque ele ajuda a lideran- ça a entender melhor o que aconteceu com nosso povo. Ele serve para todas as comu- nidades Guarani da região. Ele serve também para os brancos, que chamamos Juruá Kuery, porque eles também precisam conhecer nossa história, saber o que aconteceu com nosso povo.

Portanto, o livro serve para os alunos, para as lideranças e para o jovem princi- palmente, por causa da terra. Esse livro ajuda a entender o que aconteceu com nossa terra, nos fortalece porque temos que manter, segurar e aumentar nossa terra. Esse livro é fundamental para nossa liderança para ajudar na continuação da luta.

A gente sempre contou essa história, nunca esquecemos dela, mas agora tem as fotografias para confirmar. Essas fotografias mexeram muito com as pessoas, por- que várias pessoas que aparecem nas fotos já morreram, muitos lugares não existem mais. Fez lembrar os tempos passados, lembrar dos parentes que tão longe. Muitos cemitérios ficaram embaixo d’água, nunca retiraram os corpos de nossos parentes, dos Juruá Kuery sim, mas do Guarani não.

Esse livro deu um susto na minha esposa, porque tinha a foto da tia dela, tinha a foto da avó dela. Quando ela olhou nessa foto que viu os antigos ela ficou em esta- do de choque. Ela ficou emocionada, ela nunca tinha visto essas fotos. Ela pegou o livro, pegou de novo, eu nem falei nada, aí eu anotei alguma coisa, aí ela começou ver as pessoas antigas, tinha dona Francisca, vó dela, tinha dona Isadora, tia dela, tinha o Felipe Romero, que era nosso compadre, padrinho da minha filha Inácia, tinha várias pessoas. Ela ficou muito assustada. Ficamos “meio assim”, por uma semana ficamos sem olhar esse livro. Eu disse: “Calma! É parte de nosso passado, não temos como mudar, mas ao menos temos que contar a história para nosso filho!” Outras pessoas também ficaram emocionadas lembrando a antiga aldeia do Jacutinga que está embaixo da água, lembrando das pessoas que lutaram para manter a comunidade unida, que lutaram pela terra, também das pessoas que fazem parte das nossas vidas, nossos amigos e parentes.

Esse livro ajuda a gente ter uma história. Traz algumas explicações e imagens que garantem que tudo isso aconteceu de verdade. Traz imagens de gente que vivia nesse tempo entre nós. Estamos vivendo agora tudo isso de novo, pelo menos a continuação dessa história.

Esperamos que esse livro ajude bastante.
Cassemiro Karai Verá Poty Pereira Centurião

Tekoa Ocoy, janeiro de 2019