Sobre o povo Guarani

        A grande Nação Guarani, como chamaram os primeiros europeus que aqui chegaram, e como se definem os Guarani contemporâneos, é composta por pelo menos 10 línguas (ou dialetos) diferentes. Estima-se que em 1500 havia uma população de dois milhões de pessoas. Devido a violência colonial hoje não passam de 280 mil pessoas unidas por língua e costumes em comum. Ocupam cerca de 1.500 lugares, que eles definem como Tekoha num território que se estende em grandes porções da bacia do Prata e litoral atlântico. Muitos desses locais em situação precária, em contextos de violência, sem demarcação e sem suporte de vida. O trópico de capricórnio pode ser tomado como limite norte, do território Guarani, tendo a cordilheira dos Andes o limite oeste e o atlântico limite leste. Ao sul o estuário da prata é o ponto mais meridional de seu território. Desde o início do século XIX (cerca de 200 anos) esse espaço está dividido entre Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, porém para os Guarani essas fronteiras pouco representam já que eles habitam esse espaço há mais de 2 mil anos. É um dos maiores povos e com maior presença territorial do continente.

        Como afirma o Mapa Continental Guarani, eles não são apenas testemunhas do passado, mas, sim, protagonistas do presente e construtores do futuro. Destaca-se culturalmente a anti-economia, ou seja, uma forma de contrapor-se ao modelo capitalista predador, pela reciprocidade ou Japói (mão abertas). Isso significa que humanos e natureza convivem em equilíbrio porque possuem o mesmo destino, concebem que a “floresta é um ser vivente” e com todos seus elementos precisam ser respeitados, uma prática que não deixa deserto atrás de si, que não acumula e que não produz resíduos agressivos ao meio ambiente. A migração é outro traço particular desse povo. A busca de um lugar para viver a plenitude, não apenas transcende, mas a vida cotidiana, interpretada como “terra sem mal”, lugar não pisado, não destruído, continua sendo o horizonte desse povo.

        Sua forma de ser ensejou incorporar pessoas, ambientes e elementos das sociedades ocidentes transformando-os em instrumentos próprios, adaptando e ressignificando, evitando assim a mudanças radicais e abruptas de sua cultura e permitindo que mesmo em locais insalubres e impróprios consigam sobreviver em sua forma de vida, especialmente sua religião.

        A religião é o grande suporte de vida e resistência desse povo. Ela é a grande utopia, é pela sua prática cotidiana que mantém acesa a certeza que de que os males desse mundo não os afetam, porque seus horizontes são de outra ordem. É pela prática religiosa que enfrentam a descriminação, a violência física e o ódio de certos setores da sociedade que desejam eliminá-los. É pela religião que seguem sendo Guarani.

Clóvis Antonio Brighenti